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A Cerveja na Antiguidade

Atualizado: 26 de jul. de 2022


Salve nobres,

Segundo a versão mais difundida da história, a cerveja não foi inventada e sim descoberta. Há aproximadamente 10.000 anos, na Mesopotâmia, povos que começavam a se sedentarizar na região do Crescente Fértil (os vales do Rio Nilo e dos rios Tigre e Eufrates), descobriram a fermentação dos grãos os mergulhando em água e deixando em descanso por alguns dias. E, dessa forma, esses povos descobriram mais uma utilidade para os cereais que eles começavam a cultivar.

As provas arqueológicas mais antigas relacionadas à produção de cerveja vêm da mais antiga civilização conhecida: a suméria. Que se estabeleceram nos vales dos rios Tigre e Eufrates entre 4.500 e 1.900 a.C. A descoberta mais importante, que fornece a prova certa da existência da cerveja, são os chamados Blau Monuments. Uma série de tabuletas de argila, datadas de cerca de 3.100 a.C., que registram transações econômicas e passagem de propriedade de terrenos.


A quantidade de informações sobre a cerveja que podemos colher dos caracteres cuneiformes dos sumérios atestam a importância da bebida na sua vida quotidiana, como parte integrante da sua alimentação. O símbolo cuneiforme que indicava a cerveja era um vaso em posição vertical de base pontiaguda. A cerveja de cevada era chamada de sikaru (em tradução literal, “pão líquido”), enquanto a de espelta (trigo vermelho) era chamada kurunnu. Outros tipos de cerveja eram obtidos misturando as duas em proporções diversas. Como, por exemplo, a niud, bebida adocicada com açúcar de tâmaras. Dessa forma, não se falava genericamente de cerveja, mas de cervejas diversas.


Naquela época, da mesma forma como as mulheres eram responsáveis pela fabricação dos pães, elas eram também responsáveis pela distribuição da cerveja, que passou a ser uma bebida bastante consumida e valorizada pelos povos da Antiguidade. O papel das mulheres nesse processo está representado pelo Hino à deusa suméria Ninkasi:


Ninkasi, fundando sua cidade pelo lago sagrado,

Ela rematou-a com grandes muralhas por você. (...)

Você é a única que maneja a massa,

com uma grande pá,

Misturando em uma cova o bappir com ervas aromáticas doces,

Ninkasi, você é a única que maneja

a massa com uma grande pá,

Misturando em uma cova o bappir com tâmaras ou mel.

Você é a única que assa o bappir

no grande forno,

Coloca em ordem as pilhas de sementes descascadas,

Ninkasi, Você é a única que assa

o bappir no grande forno,

Coloca em ordem as pilhas de sementes descascadas,

Você é a única que rega o malte

jogado pelo chão. (...)

Quando você despeja a cerveja filtrada

do barril coletor,

é como os barulhos dos cursos

do Tigre e do Euphrates.


Tom Standage (2005, p. 16) explica que o bappir citado no Hino à Ninkasi, pode ser chamado também de pão de cerveja, e era feito moldando-se os brotos de cevada em torrões (pequenos bolos) que eram cozidos duas vezes para produzir um pão marrom-escuro, crocante, sem levedura, que podia ser armazenado por anos antes de ser esfarelado no barril do fermentador. Não era um ingrediente alimentício, mas uma forma conveniente de se armazenar a matéria-prima para o preparo da cerveja. Nesse ponto, o autor comenta a polêmica, muito reproduzida no meio cervejeiro, sobre o que teria sido criado primeiro: o pão ou a cerveja. Segundo ele, alguns arqueólogos argumentam que o pão teria sido um desdobramento da produção de cerveja, enquanto outros defendem que o pão veio primeiro e, apenas subsequentemente, teriam sido usado como um ingrediente na cerveja. O próprio autor aponta uma terceira hipótese: pão e cerveja seriam derivados do mesmo mingau (grãos embebidos em água), que poderia ser cozido ao sol para fazer pão ou deixado fermentar para virar cerveja. Assim, pão e cerveja seriam os dois lados de uma mesma moeda (STANDAGE, 2005, p. 16)


As primeiras cervejas eram muito diferentes das cervejas que conhecemos hoje. Como o trigo era o melhor cereal para fabricação de pães devido à grande quantidade de glúten, ele era também o cereal mais utilizado na fabricação de cervejas. Apresentavam tonalidades mais âmbares e escuras. Além disso, era bastante habitual a adição de uvas e tâmaras ao mosto, pois percebia-se que essas frutas aceleravam o processo de fabricação da bebida (suas cascas traziam leveduras e bactérias que conduziam a fermentação). O teor alcóolico dessas cervejas era bem baixo, em torno de 2,0 ou 3,0% e frequentemente eram adicionados às cervejas diversas ervas, raízes e frutos, como alecrim, anis, canela, zimbro, gengibre, mel, avelãs e muitos outros, além de serem fermentadas espontaneamente. As cervejas eram bebidas por meio de longos canudos devido à grande quantidade de elementos em suspensão no líquido.


Também na cultura da civilização egípcia antiga (entre 3.100 a.C. e 30 a.C.), a cerveja era importante e há referências a ela desde documentos da terceira dinastia (que começou em 2650 a.C.). Como explica Standage , uma análise da literatura egípcia descobriu que a cerveja (hekt) era mencionada mais vezes do que qualquer outro item alimentar (2005, p. 23). É no Egito que surgem, pela primeira vez na história, edificações específicas para a produção de cerveja. O que hoje chamaríamos de cervejaria. Recentemente ficamos sabendo a descoberta das fundações do que seria uma cervejeira construída há 5.000 anos, feita por uma equipe de arqueólogos norte-americanos e egípcios. A fábrica estava dividida em 8 enormes unidades de produção (cada uma com 20 metros de comprimentos e 1,5 metro de largura). Em cada uma foram encontrados cerca de 40 potes de cerâmica em duas fileiras, usados para aquecer a mistura de grãos e água para produzir cerveja. A cervejaria teria capacidade para produzir até 22.400 litros de cerveja, sendo considerada a “mais antiga cervejaria de alta produção do mundo”.


Na civilização egípcia a deusa da cerveja e da fermentação era Hathor, frequentemente representada como uma vaca, porém sua forma mais comum era de uma mulher com chifres de vaca e um disco solar sobre a cabeça. Hathor era a deusa da música, da dança e da alegria. E um dos seus títulos era o de “Senhora da bebedeira”. Em sua homenagem existia, inclusive, a Festa da Embriaguez ou Festival da Bebedeira. Onde o objetivo era beber excessivamente vinho e cerveja durante 5 dias e, dessa forma, tentar estabelecer alguma ligação com a Deusa. E um hino em seu louvor diz: “Tu és a Senhora do Júbilo, a Rainha da Dança, a Senhora da Música, a Rainha da Harpa, a Senhora da Dança Cora, a Rainha dos Louros, a Senhora da Embriaguez sem fim”.


A cerveja era considerada uma bebida divina e oferecida frequentemente aos Deuses cultuados. Sumérios, babilônios e gregos deixaram diversas provas arqueológicas que apontam tradições religiosas e produtivas relacionadas à cerveja. Ao mesmo tempo, a capacidade da cerveja de embriagar e induzir a um estado de consciência alterada fazia dela um veículo de comunicação com as realidades transcendentes (STANDAGE, 2005, p. 17). Muitas culturas possuem mitos que explicam como os deuses inventaram a cerveja.

Desde então, a cerveja também parece ter uma importante função social. “Tanto os mesopotâmicos como os egípcios encaravam a cerveja como uma bebida antiga e divina que dava base à sua existência, formava parte de sua identidade cultural e religiosa, e tinha grande importância social”. (STANDAGE, 2005, p. 24). Com várias pessoas bebendo o líquido do mesmo recipiente. Partilhar uma bebida com alguém se torna, dessa forma, um símbolo universal de hospitalidade e amizade. Sinaliza que se pode confiar na pessoa que oferece a bebida, pois demonstra que não está envenenada ou inadequada para o consumo (STANDAGE, 2005, p. 17). O autor chama a atenção para expressões como “fazer uma festa da cerveja” e “sentar na festa da cerveja” que, no Egito, significavam “festejar” ou “aproveitar um bom momento”. Enquanto na suméria, a expressão “derramamento de cerveja” referia-se a uma festa ou banquete de celebração.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BOUZON, Emanuel (org.). O Código de Hammurabi. Petrópolis: Vozes, 1987.

JAMILLE, Márcia. O Festival da Bebedeira no Egito Antigo. Arqueologia Egípcia. 9 de fevereiro de 2016. Disponível em: Festival da Bebedeira no Egito Antigo + Vídeo – Arqueologia Egípcia (arqueologiaegipcia.com.br)

JAMILLE, Márcia. A cerveja no Egito Antigo: desde a intoxicação ao seu uso religioso. Arqueologia Egípcia. 6 de março de 2017. Disponível em: A cerveja no Egito Antigo: desde a intoxicação ao seu uso religioso – Arqueologia Egípcia (arqueologiaegipcia.com.br)

STANDAGE, Tom. A história do mundo em 6 copos. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

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