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História da cerveja no Brasil - parte 7 - A Cerveja trapista no Brasil


Salve nobres,

Se você gosta de cerveja e se aventura no mundo das cervejas “diferentes”, com certeza já ouviu pelo menos falar das cervejas trapistas. E, quem sabe, até já provou alguma. Ao contrário do que o nome pode sugerir, à primeira vista, as cervejas trapistas não são cervejas feitas com trapos. Ou por recolhedores de trapos. Ou qualquer coisa do tipo. Mas cervejas feitas por monges da Ordem Trapista, dentro de monastérios trapistas.


A Ordem Trapista, cujo nome oficial é Ordem dos Cistercienses Reformados da Estrita Observância, foi criada em 1662 na Abadia de Notre Dame de La Trappe, no noroeste da França. E é daí que vem seu nome popular. É uma subdivisão da Ordem Cistercience, criada em 1119, na Abadia de Cister, localizada na cidade de Saint-Nicolas-les-Citeaux, na Borgonha. É uma ordem beneditina. O que significa que eles seguem a Regra de São Bento, cujo lema é Ora et Labora (ou, em bom português, Reza e Trabalha). Lema que organiza, toda a sua vida monástica.

Os monges trapistas fazem 4 votos religiosos: de pobreza, castidade, obediência e estabilidade. Os três primeiros são fáceis de entender. O último significa que eles se comprometem a viver dentro de um mosteiro até a morte. E, por isso, vivem afastados do mundo e voltados para a busca continua da união com Deus. Por isso, via de regra, as comunidades trapistas são localizadas fora das cidades. E os monges vivem dos frutos da sua atividade agrícola. E fabricam, dentro dos monastérios, queijos, mel, licores, chocolates e a sua famosa cerveja. Seja para consumo próprio, seja para comercializar e assim, financiar a manutenção dos mosteiros.


Os mosteiros trapistas, assim como aconteceu com os mosteiros de outras ordens religiosas, se espalharam pelo mundo e alguns monges acabaram chegando até o Brasil, no início do século XX. Esse texto é todo inspirado e baseado na pesquisa feita pelo Daniel Taveira Oberlander, que é Engenheiro Químico e mestre-cervejeiro da cervejaria Habeas Copos, de Niterói (RJ). E que foi publicada na Revista da Cerveja, na edição de Julho-Agosto do ano passado (2021).


Em 12 de setembro de 1904 chegou ao Brasil o primeiro grupo de 14 monges trapistas, vindos da França para ocupar o Mosteiro de Nossa Senhora da Maristela, em Tremembé, interior de SP. Esse foi o primeiro mosteiro trapista da América Latina e abrigou os monges até novembro de 1931.

Como não poderia deixar de ser, durante a sua estada no Brasil, os monges mantiveram suas tradições, como a produção de bebidas e comidas. O responsável pela produção de bebidas e pela adega do mosteiro era o monge Léopold Masl, que tinha 54 anos quando chegou ao Brasil, auxiliado pelo monge Marie Paulet. Segundo o texto de Daniel: “Conforme relatos históricos, ele possuía grande habilidade na produção de licores, hidromel (...), cerveja e vinhos para consumo próprio dos monges e para os visitantes”.


Assim, há relato de produção de cerveja no mosteiro. E também da presença de visitantes que iam ao mosteiro para fazer degustações na adega do padre Léopold. Segundo definição dada pela Associação Trapista Internacional, criada em 1997 com o objetivo de proteger e apoiar a produção e comercialização dos produtos de mosteiros trapistas: qualquer produto produzido pela comunidade trapista é um produto trapista e pode utilizar essa denominação. Dessa forma, sendo o Mosteiro de Nossa Senhora da Maristela um mosteiro trapista, e o padre Léopold um padre trapista, logo pode-se afirmar sem medo de mentir que a cerveja produzida por ele era uma cerveja trapista. Como diz Daniel: “A primeira e única cerveja trapista do Brasil que se tem registro!”.

A cerveja trapista não é um estilo específico de cerveja, mas uma denominação de origem ou indicação de procedência. Em 1998. A Associação Trapista Internacional criou o selo de confirmação Authentic Trappist Product, que é atribuído aos produtos (sejam queijos, cervejas, vinhos, geléias, etc.) que respeitem à critérios bem precisos de produção. No caso das cervejas, para fazer jus ao selo de cerveja trapista autêntica, a sua produção deve atender a três requisitos:


1. ser fabricada dentro dos muros de um monastério trapista, pelos próprios monges ou sob sua supervisão;

2. sua comercialização não deve visar o lucro, servindo apenas para cobrir o custo de vida dos monges e a manutenção dos edifícios e terrenos do mosteiro;

3. e a cervejaria deve ter importância secundária dentro do mosteiro e seguir práticas de negócios adequadas ao modo de vida monástico.


Atualmente, dos 171 mosteiros trapistas existentes no mundo, apenas 21 fazem parte da Associação Trapista Internacional e desses, 14 produzem cerveja. Desses 14, 10 cumprem os requisitos para ganhar o selo: Chimay (Bel), Engelszell (Aus), La Trappe (Hol), Orval (Bel), Rochefort (Bel), Tre Fontane (Ita), Tynt Meadow (UK), Westmalle (Bel), Westvleteren (Bel) e Zundert (Hol). No começo de 2021, o mosteiro de Achel, na Bélgica, perdeu o direito ao uso do selo, pois os últimos monges que viviam lá foram transferidos para outro mosteiro. A cerveja ainda é fabricada, mas sem a supervisão dos monges. E, então, não cumpre mais um dos requisitos necessários. E, no mês passado, os monges do mosteiro de São José (USA) que fabricavam a Spencer, decidiram encerrar sua produção.

Mas, esse selo foi criado apenas em 1998 e exigir esse selo da cerveja produzida pelo padre Léopold seria, no mínimo, um anacronismo. Nesse caso, a ausência do selo, que simplesmente não existia, não retira da cerveja de Nossa Senhora da Maristela, a qualidade de cerveja trapista. O padre Léopold viveu no mosteiro de Tremembé até o seu fechamento, em 1931. No mesmo ano, ele voltou para a França e faleceu no dia 21 de Setembro, com 81 anos de idade.


Atualmente, no Brasil existem dois mosteiros trapistas: Nossa Senhora do Novo Mundo, no Paraná, fundado em 1997; e o mosteiro feminino de Nossa Senhora da Boa Vista, em Santa Catarina, cujas obras foram iniciadas em 2010. Esses dois mosteiros produzem bolos, biscoitos, chocolates e geleias, entre outros produtos. E algum tempo atrás foi noticiado na imprensa cervejeira que duas irmãs do mosteiro da Boa Vista estavam concluindo o curso de produção de cerveja na Escola Superior de Cerveja e Malte, em Blumenau. O que indica que muito brevemente poderemos voltar a ter uma cerveja trapista produzida no Brasil.


Se você quiser, também pode assistir o video que fiz sobre esse tema no meu canal no Youtube.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

FREITAS, Carlos Felipe. Única cervejaria trapista dos EUA fecha as postas após 8 anos. Catalisi. 11/06/22. Disponível em: Única cervejaria trapista dos EUA fecha as portas após 8 anos – Catalisi

Irmãs de mosteiro em SC estudam para fazer cerveja e evidenciam tradição trapista. Guia da Cerveja. 18/02/2022. Disponível em: Irmãs de mosteiro em SC farão cerveja e evidenciam tradição trapista (guiadacervejabr.com)

OBERLAENDER, Daniel Taveira. A primeira (e única) cerveja trapista brasileira. Revista da Cerveja. Julho / Agosto 2021, p. 59-61.

Site da International Trappista Association. Disponível em: Internationale Vereniging Trappist - Home

TURCO, Andrea. Ufficiale: il belga Achel non è più un birrificio trappista. Cronache di Birra. 21 /01/2021. Disponível em: Ufficiale: il belga Achel non è più un birrificio trappista – Cronache di Birra

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