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Foto do escritorProfano Graal

Mulheres e cerveja na Inglaterra entre os séculos XIV e XVII

Salve nobres,

Os registros públicos ingleses do período pré-Peste Negra (1348-1350) incluem uma legislação reguladora que trata a fabricação de cerveja como uma profissão exclusivamente feminina. A falta de especialização e de uma localização física necessária, podendo ser feita dentro de casa, fez da cerveja uma atividade acessível para que as mulheres adicionassem renda à casa nas cidades e nas comunidades rurais. Conhecidas como ale-wives, elas começaram a estabelecer pequenas operações comerciais e estavam autorizadas a abrir ale houses.

Fabricar e vender cervejas permitiu que as mulheres trabalhassem e obtivessem seu auto-sustento, lhes concedendo algum grau de independência com relação aos homens. Em um período histórico no qual elas eram impedidas de tomar a maior parte das decisões sobre a sua própria vida. Como explica Judith Bennett, as mulheres medievais, particularmente as solteiras, jovens e viúvas, eram quase exclusivamente impedidas de muitos métodos de auto-sustento. O trabalho da maioria das mulheres no período medieval tardio era de baixa qualificação, baixo status e baixo lucro. Comparativamente, a fabricação de cerveja era uma atividade predominantemente feminina, e em que as mulheres podiam operar de forma independente ou em conjunto com o marido. (BENNET, 1996, p. 168)


Explica a autora que, embora a fabricação e venda de cerveja fosse um comércio lucrativo e estável para todas as classes de mulheres urbanas da Idade Média, mulheres casadas e não-casadas tiveram experiências diferentes nesse comércio. A maioria das mulheres não casadas (que incluía moças solteiras, viúvas, mães solteiras, concubinas e esposas que abandonaram o marido ou por ele abandonadas) trabalhava na fabricação de cerveja apenas ocasionalmente, recorrendo a ela para se sustentar temporariamente - antes do casamento, entre casamentos, em tempos de pobreza e durante a viuvez. (BENNETT, 1996, p. 40). Mais raros foram os exemplos de cervejeiras não-casadas que continuaram o comércio mais permanentemente, como Emma Kempstere, de Brigstock, Maud London, de Oxford, e Margery de Brundall, de Norwich, que viveram e fabricaram cerveja nos séculos XIV e XV. (BENNETT, 1996, p. 40).


De acordo com os registros fiscais, registrados nas guildas medievais e nos registros de cobrança de impostos, as cervejeiras não-casadas viviam de forma mais independente e tinham um padrão de vida mais alto comparados a outras mulheres medievais não casadas (BENNETT, 1996, p. 37). Porém, ganhavam menos em comparação com uma mulher casada que operasse os negócios com o marido. (BENNETT, 1996, p. 38) As não-casadas raramente tinham os recursos para pagar aprendizes ou empregados na fabricação de cerveja e eram menos propensas a ter famílias numerosas para ajudar no trabalho de fabricação de cerveja. Esses fatores limitavam a sua lucratividade em comparação com outras cervejeiras e tornavam a sua participação na indústria uma prática menos consistente e mais ocasional. (BENNETT, 1996, p. 78)


As cervejeiras casadas ​​provavelmente tinham mais acesso a capital e servos por meio dos empreendimentos econômicos, terras ou herança de seus maridos (BENNETT, 1996, p. 38) Isso permitiu que elas ​​sustentassem, expandissem e estabilizassem seu comércio. E, como resultado de sua estabilidade e acesso a recursos, ​​"colheram lucros consideráveis ​​com o mercado de cervejas", ganhando mais do que cervejeiras não-casadas ​​e mais do que mulheres casadas em outros ofícios (BENNETT, 1996, p. 66).

Antes do século XVI, esposas e maridos dividiam as operações diárias da fabricação de cerveja de forma relativamente igual, com esposas trabalhando independentemente, em vez de subordinadas a seus maridos (BENNETT, 1996, p. 62) A divisão do trabalho entre casais cervejeiros era tipicamente dividida entre papéis públicos e gerenciais. O marido ocupava quase exclusivamente as responsabilidades públicas, incluindo as atividades de guilda e servindo como representante legal do estabelecimento. As esposas tipicamente tinham jurisdição sobre as responsabilidades da "família conjugal", que incluía a parte física da fabricação da cerveja, a administração de qualquer trabalhador e, se o comércio acabasse de uma alehouse, a administração da própria alehouse (BENNETT, 1996, p. 67 e 72). Como evidenciado pelos registros dos pagamentos às guildas medievais, as esposas geralmente pagavam grandes impostos das alianças que eram listados independentemente de seus maridos cervejeiros (BENNETT, 1996, p. 67). Isso indica que as mulheres receberam crédito como parceiras iguais aos seus maridos em uma alta lucratividade.


Após a Peste Negra, o comércio de cerveja passou por mudanças significativas que o tornaram especializado. A sociedade medieval passou por muitas mudanças após a praga. Bennett relaciona, entre as mudanças que tiveram efeitos significativos no comércio de cerveja: a consolidação dos mercados urbanos, aumento dos padrões de vida, maior acesso ao capital, acesso mais barato aos grãos, maior demanda por cerveja como alimento básico da dieta medieval e centralização e crescente popularidade das alehouses (BENNETT, 1996, p. 43-45). Assim, ao mesmo tempo que teria ajudado no desenvolvimento do negócio dessas mulheres, o mercado cervejeiro também se tornou maduro para investimento de capitais. E “devido a essas mudanças, o mercado de cerveja se transformou de uma indústria dominada por mulheres casadas e não casadas, cervejeiras ocasionais, em um comércio profissionalizado e governado por homens”. (BENNETT, 1996, p. 168) Como explica a autora, ao contrário das mulheres, os homens tinham os recursos legais, capitais, sociais e culturais para comandar uma indústria de rápida comercialização (1996, p. 75).


Como resultado, após as mudanças do setor após a Peste Negra, as cervejeiras e alewives no final dos séculos XIV e XV enfrentaram um dos dois destinos: maior lucro ou marginalização no comércio. As mulheres que conseguiam permanecer no comércio de cerveja eram geralmente casadas, viúvas ou tinham acesso incomum a dinheiro e capital para uma artesã. Seu casamento garantia o acesso aos recursos e investimentos necessários para se manter no mercado. Explica Bennett que com a saída da maioria das mulheres não casadas do comércio de cerveja, a produção independente de todas as mulheres tornou-se menos aceita (BENNETT, 1996, p. 74). Portanto, as cervejeiras casadas após o século XIV tornaram-se menos independentes de seus maridos.


As demais mulheres envolvidas no comércio de cerveja, principalmente cervejeiras ocasionais ou em período parcial, perderam a facilidade de entrada no mercado e a estabilidade econômica que anteriormente tinham como cervejeiras. Essas mulheres encontraram outros negócios ou métodos de auto-sustento (casamento, prostituição etc.) ou permaneceram no comércio de cerveja empregadas por cervejeiros do sexo masculino (BENNETT, 1996, p. 50). No século XVI, as guildas também centralizaram e regulamentaram a fabricação de cerveja mais fortemente, o que também contribuiu para o declínio das mulheres no comércio de cerveja. (BENNETT, 1996, p. 136)

Percepções sociais

Interessante post de Lorenzo Donati, publicado no site italiano Giornale della Birra em 6 de janeiro de 2020, chama a atenção para a aproximação que o imaginário ainda marcadamente medieval da sociedade britânica do século XIV fazia entre as ale wives e as, assim chamadas, bruxas. Mulheres que traficavam com ervas e caldeirões e que conheciam receitas por meio das quais produziam, quase que por magia (note-se que, naquela época, nada se conhecia sobre os processos de fermentação), uma bebida que entorpecia os homens, deixando-os vulneráveis. Algumas comerciantes de cerveja, além disso, andavam com chapéus pontudos para serem reconhecidas, e outras prendiam uma vassoura do lado de fora da própria casa quando a cerveja estava pronta, como um sinal rudimentar, para avisar aos sedentos onde encontrar refresco. Eram símbolos que permitiam a associação entre a fabricação de cerveja à bruxaria, dando pretexto para uma verdadeira caça às bruxas. Essa caçada às bruxas-cervejeiras pode ter tido diversas motivações. Em primeiro lugar, a motivação econômica. Como explica Donati, “A cerveja feita em casa para o consumo doméstico se tornou de repente, um bem de consumo com um preço e clientes. E como sempre acontece quando há dinheiro em jogo, tem sempre alguém que procura o maior monopólio possível, em detrimento da concorrência”.

Judith Bennet aponta como as cervejeiras se tornaram o bode expiatório da comunidade cervejeira como um todo pelos vícios que o mundo medieval temia da produção de álcool. As mulheres na fabricação e venda de cerveja foram acusadas de serem desobedientes a seus maridos, sexualmente desviantes, e também de frequentemente enganarem seus clientes com cerveja diluída e preços mais altos. Seja como sexualmente promíscuas ou empregadoras de prostitutas, as alewives eram frequentemente associadas a comportamentos pecaminosos. Afirma a autora que em 1540, a cidade de Chester ordenou que nenhuma mulher entre 14 e 40 anos pudesse vender cerveja, na esperança de limitar o comércio a apenas mulheres acima ou abaixo de uma idade de conveniência sexual (BENNETT, 1996, p. 122).


Você pode também assistir o vídeo que nós fizemos sobre o tema no nosso canal do Youtube.


Referências:

BENNETTT, Judith M. Ale, Beer and Brewsters in England: Women's Work in a Changing World, 1300–1600. New York: Oxford University Press, 1996.

DONATI, Lorenzo. Bruxas e cervejas: quando a história supera a lenda. Giornale della Birra. 2020. Disponível em: https://www.giornaledellabirra.it/storia-di-birra/streghe-e-birra-quando-la-storia-supera-la-leggenda/ Acesso em 19 de agosto de 2020.

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