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Foto do escritorProfano Graal

História da Cerveja no Brasil - parte 1 - Os holandeses no Recife

Salve nobres!

Entre os autores que se ocupam com a história da cerveja no Brasil, parece ser ponto pacífico que a população da América portuguesa entrou em contato com a cerveja pela primeira vez com a ocupação holandesa do Nordeste, entre 1630 e 1654. Com a submissão do trono português à Coroa Espanhola, em 1580, no período que ficou conhecido como União Ibérica, Portugal foi forçado a assumir como seus os inimigos do Império Espanhol. Entre eles, os holandeses. Poucos anos antes, em 1568, os territórios que viriam a se tornar a República das Províncias Unidas dos Países Baixos tinham se revoltado contra a dominação da Casa de Habsburgo, que reinava na Espanha. Como esta última se recusava a reconhecer a independência do novo país, Países Baixos e Espanha travaram uma guerra que durou 80 anos (até a paz em 1648). Os holandeses eram um importante aliado comercial de Portugal, dominando a comercialização e o refino do açúcar brasileiro na Europa. Obrigados a abrir mão desse lucrativo comércio devido ao seu estado de guerra contra a Espanha, decidiram invadir ao mesmo tempo, as zonas de produção açucareira no Brasil e de suprimento de escravos na África (atividades complementares e indissociáveis). Para tanto, em 1621 foi formada a Companhia das Índias Ocidentais, a partir de capitais estatais e privados, que atacou o Olinda (então capital da capitania de Pernambuco) com 65 embarcações e 7280 homens em 1830.



Segundo o historiador R.W. Unger, citado por Tatiana Rotolo e Eduardo Marcusso, os holandeses se orgulhavam de ser um país de bebedores de cerveja. Com um consumo per capita de aproximadamente quatro litros diários no século XVII. Apesar de não ser lembrada hoje por sua tradição cervejeira, o fabrico de cerveja era uma atividade corrente desde a baixa Idade Média no território holandês: “A indústria cervejeira holandesa entre os séculos XIV, XV, XVI e XVII se constituía numa importante atividade econômica, sendo capaz até mesmo de patrocinar parte do chamado ‘Século de Ouro na Holanda’.” (ROTOLO; MARCUSSO, 2019, p. 88-89)


Segundo o folclorista Luís da Câmara Cascudo em seu clássico História da Alimentação no Brasil (publicado em 1968), os holandeses, grandes apreciadores da bebida, teriam sido, então, os responsáveis pela introdução da cerveja nos hábitos alimentares dos colonos da América Portuguesa. Ao menos, nos territórios dominados por eles. Cascudo cita publicação de autoria Frei Manoel Calado, de 1648, onde o autor narra um banquete fúnebre: “pratos cheios de carne cozida, e assada, e peixes descabeche [sic], outros com pedaços de queijo, outro com manteiga, e muito partido em fatias, e muitos frascos de vinho de Espanha e França, cerveja, e aguardente, aonde cada um ia tomar sua refeição”. (CASCUDO, 2011,p. 783)


A cervejaria foi instalada naquela que seria a residência de descanso do governador Maurício de Nassau (governador-geral das possessões holandesas entre 1637 e 1644), denominada “La Fontaine” e localizada na zona norte de Recife, em uma região da cidade conhecida como Capunga, redondezas do bairro das Graças. A residência foi alugada pelo prazo de quatro anos por 1.500 florins (ROTOLO; MARCUSSO, 2019, p. 84). Segundo o historiador e diplomata Evaldo Cabral de Mello: “Nassau provavelmente deixou de usá-la após a construção do parque de Vrijburg, de que desde outubro de 1840 ela passou a ser utilizada por uma fábrica de cerveja” (ROTOLO; MARCUSSO, 2019, p. 84). Mapa de Cornelis Golijath, de 1648, mostra a localização do que teria sido a "Aldeia Nassau", com a inscrição: "aqui há uma fabricação de cerveja e um passo de açúcar".


A cervejaria, cujo nome pressupõe-se que fosse o mesmo da residência que ocupava (sobre o que ainda não há nenhuma evidência documental), era comandada pelo mestre-cervejeiro Dirck Dicx, natural da cidade de Haarlen e filho de um prefeito do mesmo nome que também era proprietário de uma cervejaria denominada Het Scheepje. Foi cervejeiro da Halve Maen, também em Haarlen, e serviu na milícia local de 1626 até vir para o Brasil, por volta de 1640. Segundo Tatiana Rotolo e Eduardo Marcusse, documentos do Noord-Hollands Archief indicam que, naquele ano, ele autorizou a venda de sua casa em Haarlen e partiu para o Brasil (ROTOLO; MARCUSSO, 2019, p. 87). É na condição de porta bandeira da brigada azul da milícia de St. George que ele é retratado em dois quadros do pintor holandês Frans Hals (1582-1666): The Banquet of the Officers of the St. George Militia Company in 1627 e The Officers of the St. George Militia Company in 1639.


Apesar da afirmação de Evaldo Cabral de Mello (citada acima), segundo Carlos Alberto Tavares Coutinho, a cervejaria teria começado a produzir apenas em abril de 1641: “fabricando uma cerveja encorpada tipo swaar fermentada com cevada e açúcar”. Segundo Tatiana Rotolo e Eduardo Marcusso supõem que, dadas as dificuldades enfrentadas para o abastecimento da colônia, a vasta produção de açúcar da região, a experiência do mestre-cervejeiro Dirck Dicx e a tradição das cervejas na Holanda do século XVII, “talvez a primeira cerveja brasileira tenha contido uma quantidade de malte de trigo e algum açúcar para facilitar a fermentação” (ROTOLO; MARCUSSO, 2019, p. 90). Afirma Coutinho que existe documentação desta fábrica até o ano de 1654, que é o ano de expulsão definitiva dos holandeses de Recife. Mas não cita onde estaria essa documentação. Tatiana Rotolo e Eduardo Marcusso, por outro lado, acreditam que a cervejaria teria funcionado apenas durante os quatro anos de vigência do contrato de aluguel da La Fontaine.


Afirma Garret Oliver que a Companhia da Índias Ocidentais fez a mesma coisa nos territórios por ela administrados na América do Norte. A colonização da Nova Amsterdã começou em 1624 com o estabelecimento de trinta famílias neerlandesas na atual ilha de Manhattan. Segundo Oliver, o diretor-geral da colônia teria fundado a primeira cervejaria comercial da América em 1632 (ou seja, nove anos antes da cervejaria do Recife entrar em operação). Em meados da década de 1630, Nova Amsterdã já teria uma Brouwer Street, ou “Rua dos Cervejeiros”: “A Companhia Holandesa das Índias Ocidentais fabricava cerveja, os proprietários de terras fabricavam cerveja, os taverneiros fabricavam cerveja, e muitos colonos fabricavam cerveja em seus próprios lares” (OLIVER, 2012, p. 60). A colônia ficou sob controle neerlandês até 1664, quando foi capturada pelos britânicos e rebatizada de Nova York.

Porém, ao contrário dos portugueses, os britânicos também eram fãs de cerveja, e se preocuparam em manter a produção iniciada pelos holandeses. Enquanto que na América portuguesa, após a expulsão dos holandeses, a cerveja também deixa de ser produzida. A importação de vinho português e o alvará de proibição das manufaturas, de 1785 (até a sua revogação por D. João em 1 e abril de 1808), teriam sido obstáculos tanto para a produção quanto para o consumo de cervejas no Brasil. Por isso, a cerveja só teria voltado a desembarcar em portos brasileiros junto com a Família Real Portuguesa, em 1808. Por isso, a cerveja só teria voltado a desembarcar em portos brasileiros junto com a Família Real Portuguesa.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS:

COUTINHO, Carlos Alberto Tavares. “Cervisifilia: a história das antigas cervejarias. Acessível em: http://cervisiafilia.blogspot.com.br/

OLIVER, Garret. A mesa do mestre-cervejeiro: descobrindo os prazeres das cervejas e das comidas verdadeiras. São Paulo: Editora Senac, 2012.

ROTOLO, Tatiana; MARCUSSO, Eduardo. A cerveja no Brasil holandês: notas sobre a instalação da primeira cervejaria do Brasil. Contextos da alimentação: Revista de comportamento, cultura e sociedade. São Paulo: Centro Universitário Senac.Vol. 6, nº 1, Julho 2019, p. 73-93.


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