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Yarrow Ales - as cervejas sem lúpulo

Salve nobres,

O lúpulo nem sempre foi o ingrediente queridinho na história da cerveja. Se tomássemos uma cerveja cerca de 700 anos atrás, era bem possível que ela não tivesse nenhum vestígio de lúpulo.

As primeiras evidências do uso do lúpulo usado na fabricação de cerveja remontam ao século VIII. No entanto, Vale lembrar que a generalização do seu uso como ingrediente da cerveja se deu depois da publicação do tratado de medicina naturalista da monja beneditina Hildegard Von Bingen (1098-1179), mestra do mosteiro de Rupertsberg na cidade de Bingen am Rhein, na Alemanha, intitulado Livro das sutilezas das várias naturezas da criação ou Livro das propriedades das várias criaturas da natureza, dependendo da tradução (Liber subtilitatum diversarum naturarum creaturarum, no original em latim), escrito entre 1151 e 1158.


Antes que o uso do lúpulo se disseminasse, outras misturas de ervas, conhecidas como gruit, eram usadas na produção de cerveja. As ervas incluídas no gruit variavam entre locais e fornecedores. Na verdade, muitos fornecedores e cervejarias faziam questão de manter em segredo a composição exata de suas misturas de gruit. Mas, as três ervas principais com mais referências usadas nas receitas de gruit eram Sweet Gale (Myricaceae Myrica gale), Marsh Rosemary (Ericaceae Rhododendron tomentosum), popularmente conhecida como Alecrim selvagem e Yarrow (Asteraceae Achillea millefolium), mais conhecida como Mil-folhas.


BOTÂNICA DA MIL-FOLHAS

O nome comum yarrow é usado para diversas espécies de ervas do gênero Achillea, mas a mais comum e utilizada é conhecida como Mil-folhas. Ela é uma erva da família Asteraceae (como a margarida, e o girassol), que ocorre em toda a zona temperada, inconspícua, resistente.


O nome genérico Achillea se refere ao uso que o grego Aquiles fez da planta para estancar as feridas de seus homens durante a Guerra de Tróia. Segundo a mitologia grega, esse uso da planta teria sido ensinado a Aquiles por Quiron, seu tutor centauro. Já seu epíteto específico, millefolium, faz referência ao formato da folha pinada recortada que dá um aspecto de mil folhas para a planta.


USOS MEDICINAIS DA MIL-FOLHAS

Esta erva tem uma longa história de uso humano, não apenas na produção de cerveja, mas também como alimento e planta medicinal. Pode ser usada também como planta ornamental e às vezes é considerada uma erva daninha.


O uso mais antigo registrado de Mil-Folhas remonta a 60.000 anos. Um túmulo escavado em Shanidar, no Iraque, revelou um Neandertal enterrado com mil-folhas e várias outras plantas. Outras evidências foram descobertas em El Sidron, na Espanha, onde os achados dentários dos Neandertais mostravam vestígios químicos de mil-folhas e camomila. Em Sacred and Herbal Healing Beers, Stephen Harrod Buhner observa, “mais de 58 tribos indígenas o usavam regularmente como remédio na América do Norte”.

Os usos medicinais da Mil-Folhas são muitos, embora provavelmente seja mais conhecida como um cicatrizante natural, capaz de estancar o sangramento e ajudar a curar feridas profundas. Também tem propriedades que podem ser usadas contra febres, indigestão, infecções do trato urinário, ginecológico e digestivo. É também muito usada como inseticida natural (assim como as outras duas citadas acima). Também tem ação conservante e antioxidante, o que faria todo sentido no uso como adjunto na fabricação da cerveja.


Diversos povos antigos também faziam uso mágico da mil-folhas por acreditar que a planta aflorava as capacidades divinatórias.


A IMPORTÂNCIA DA MIL-FOLHAS NA FABRICAÇÃO DE CERVEJA

As mesmas coisas que fizeram da Mil-folhas uma planta medicinal tão importante para os povos antigos provavelmente contribuíram para seu uso na fabricação de cerveja. Muito parecida com o lúpulo, suas ações antibacterianas, antissépticas, antimicrobianas e no amargor podem equilibrar a cerveja e protegê-la de contaminações. Além disso, a Mil-folhas também tinha uma qualidade inebriante, tornando qualquer cerveja preparada com ela mais potente.


Basta olhar para os muitos nomes da Mil-folhas na Escandinávia para ver a sua importância na panela de cerveja: jordhumle ("lúpulo da terra"), brygger (cervejeiro) e gjedebrygger (cervejeiro de cabra), vallhumall (“lúpulo de prado”) e jardhumall (“lúpulo de terra”). Nomes que faziam referência ao lúpulo, mostrando que mesmo depois que o lúpulo ganhou popularidade eles preferiam continuar usando outras ervas como a mil-folhas. Houve até um tempo em que a Inglaterra proibiu o uso de lúpulo, preferindo manter-se fiel ao gruit. O que marcaria a diferença entre “ales” e “beers”.


Hoje, acredita-se que essas propriedades tenham relação com a tujona (seu princípio ativo), que é encontrada em várias plantas, incluindo a sálvia, coentro e estragão; mas sua notoriedade vem da losna (Asteraceae Artemisia absinthium) por ser usada para fazer absinto. Vale lembrar que TODA PLANTA MEDICIAL É TOXICA, e que a mil-folhas contém tujona, mas em baixas quantidades. Um estudo realizado por Dirck Lachenmeier e Michael Uebelacker (Risk assessment of thujona in foods and medicines containing sage and wormwood – Evidence for a need of regulatory changes?) propôs que os cervejeiros teriam que trabalhar muito para atingir um nível tóxico.


AROMA E EXPECTATIVAS SENSORIAIS

Geralmente, as folhas têm um aroma herbal levemente condimentado (semelhante ao de sálvia). Outras características encontradas são notas cítricas, lenhosas / terrosas, apimentadas, resinosas (pinho) e mentoladas. As flores podem ser levemente adocicadas, lembrando mel.


Alguns dos estilos de cerveja mais comuns para usar a Mil-folhas são:

  • Porters e Stous

  • Pale Ales e IPAs

  • English Bitters

Mas ela funciona melhor com cervejas mais rústicas como Bières de Garde, Saisons e Ales belgas


Ainda hoje algumas cervejarias produzem estilos históricos de cerveja, utilizando a Mil-Folhas. Alguns exemplos comerciais produzidos hoje em dia são:


Sussurrus Farmhouse Ale, da Fox Farm Brewery (EUA)












Wild Farm Ale with Yarrow, da Field House Brewering e Dageraad Brewing (Canadá)











Kvasir, da Dogfish Head (USA) e Nynäshamns Ängbryggeri (Suécia), desenvolvida a partir de uma receita de 3500 anos encontrada em um recipiente dinamarquês.















Field Hop, da Dwinell Country Ales (EUA)












E, se você quiser, também pode assistir um video sobre esse tema que está no meu canal no Youtube.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BUHNER, Stephen Harrod. Sacred and Herbal Healing Beers: The secrets of ancient fermentation. EUA: Brewers Publications, 1998.

CARR, Nick. How to brew with yarrow. Kegerator.com. 30/09/2020. Disponível em: How to Brew With Yarrow - Kegerator.com

LACHENMEIER, Dirk W.; UEBELACKER. Risk assessment of thujona in foods and medicines containing sage and wormwood – Evidence for a need of regulatory changes?. Regulatory Toxicology and Pharmacology. Vol. 58, issue 3, Dezembro 2010, p. 437-443.

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